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sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Russia endurece com o Irã


Na sexta-feira da semana passada, um dia depois de o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, anunciar que o seu país tem capacidade para enriquecer urânio a 80% (próximo do nível necessário para a produção da bomba), o que, nas suas palavras, faz do Irã um “Estado nuclear”, três governos manifestaram em carta à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) sua inquietação com a “escalada” de Teerã. O texto era uma resposta a um pronunciamento anterior de Ahmadinejad, no qual ordenou o início das atividades de enriquecimento no patamar de 20%, alegadamente para fins medicinais. A iniciativa, depois do fracasso das negociações para que o trabalho se realizasse no exterior, foi considerada “totalmente injustificada e contrária às resoluções do Conselho de Segurança (CS) da ONU”.Fossem os signatários os três países ocidentais com assento permanente do CS ? Estados Unidos, Grã-Bretanha e França ? dispostos a impor novas sanções a Teerã, não haveria nada de especial no protesto. Seria mais um lance previsível no acirramento das tensões depois que o Irã deixou de fingir que buscava um acordo na AIEA. A novidade foi a assinatura do governo russo (ao lado dos EUA e da França). Pela primeira vez Moscou se alinhou formalmente com as potências ocidentais na condenação ao programa nuclear iraniano, robustecendo a impressão de que se associará ao cerco diplomático à República Islâmica. “A comunidade internacional precisa ter certeza de que o programa é pacífico”, diz uma porta-voz do presidente Dmitri Medvedev. “Ninguém deve excluir o uso de sanções se o Irã não cumprir as suas obrigações, cooperando de forma mais ampla e ativa” com o exterior. E, passando das palavras aos atos, Moscou suspendeu, “temporariamente”, a entrega de mísseis terra-ar comprados pelo Irã.
Rússia e França seriam os países que receberiam do Irã 1.200 quilos de urânio enriquecido a 3,5% e os devolveriam com 20%. Depois de idas e vindas, Ahmadinejad se disse favorável à ideia, desde que a troca fosse “simultânea” ? o que tornaria sem sentido o arranjo, concebido para evitar que o Irã acumule estoques de urânio passível de preparo para usos militares. As reiteradas garantias iranianas sobre a natureza pacífica de seu programa nuclear foram sistematicamente desmentidas por suas trapaças diante das inspeções da ONU em suas instalações. No ano passado, o Ocidente denunciou que o Irã construía clandestinamente uma planta nuclear nas montanhas próximas de Qum.
“As evidências não corroboram as alegações iranianas”, resumiu a secretária de Estado Hillary Clinton, ao fim de um giro de três dias pelo Golfo Pérsico, destinado a buscar apoio árabe às sanções pretendidas ? e a persuadir a Arábia Saudita a substituir o Irã como fornecedor de petróleo à China. A dependência chinesa de combustível iraniano é apontada como uma das principais razões por que Pequim tem se negado a concordar com a imposição de sanções adicionais, a pretexto de serem contraproducentes. De fato serão, se não tiverem o apoio unânime das grandes potências. Pelas avaliações diplomáticas, se a proposta passar no Conselho de Segurança com a abstenção da China, o resultado será quase tão negativo como o de um veto chinês. Mas, se a Rússia aceitar o plano, os chineses poderão aderir a ele na undécima hora para não se verem isolados entre os grandes.
De todo modo, a ofensiva diplomática americana se intensifica. A chanceler Hillary Clinton adverte que o Irã caminha para se tornar uma “ditadura militar”, numa alusão aos superpoderes da Guarda Revolucionária, a força repressiva de 150 mil homens que funciona como um Estado dentro do Estado iraniano. Controla, por exemplo, o programa nuclear do país. A Guarda não responde ao presidente, mas ao líder supremo da teocracia, o aiatolá Ali Khamenei. A organização é o principal alvo das novas sanções desejadas pelos EUA. Além da China, outro país também se manifesta seguidamente contra as punições e insiste que as portas não se fecharam de todo a um acordo sobre o reprocessamento de urânio, que poderia ser alcançado graças à sua oferecida mediação. Esse país, naturalmente, é o Brasil. Mas a sua oferta parece ecoar apenas em Teerã ? não para valer, decerto, mas para dar ao Itamaraty a ilusão de ser um interlocutor global.

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